Sorte e escolhas bem feitas
Pessoas consideradas inteligentes dizem que a felicidade é uma
idiotice, que pessoas felizes não se deprimem, não têm vida
interior, não questionam nada, são uns bobos alegres, enfim, que a
felicidade anestesia o cérebro.
Eu acho justamente o contrário: cultivar a infelicidade é que é
uma burrice. O que não falta nessa vida é gente sofrendo pelos
mais diversos motivos: ganham mal, não têm um amor, padecem de
alguma doença, sei lá, cada um sabe o que lhe dói.
Todos trazem uns machucados de estimação, você e eu inclusive. No
que me diz respeito, dedico a meus machucados um bom tempo de
reflexão, mas não vou fechar a cara, entornar uma garrafa de
uísque e me considerar uma grande intelectual só porque reflito
sobre a miséria humana. Eu reflito sobre a miséria humana e sou
muito feliz, e salve a contradição.
Felicidade depende basicamente de duas coisas: sorte e escolhas
bem feitas.
Tem que ter a sorte de nascer numa família bacana, sorte de ter
pais que incentivem a leitura e o esporte, sorte de eles poderem
pagar os estudos pra você, sorte por ter saúde. Até aí, conta-se
com a providência divina. O resto não é mais da conta do destino:
depende das suas escolhas.
Os amigos que você faz, se optou por ser honesto ou ser malandro,
se valoriza mais a grana do que a sua paz de espírito, se costuma
correr atrás ou desistir dos seus projetos, se nas suas relações
afetivas você prioriza a beleza ou as afinidades, se reconhece os
momentos de dividir e de silenciar, se sabe a hora de trocar de
emprego, se sai do país ou fica, se perdoa seu pai ou preserva a
mágoa pro resto da vida, esse tipo de coisa.
A gente é a soma das nossas decisões, todo mundo sabe. Tem gente
que é infeliz porque tem um câncer. E outros são infelizes porque
cultivam uma preguiça existencial. Os que têm câncer não têm
sorte. Mas os outros, sim, têm a sorte de optar. E estes só
continuam infelizes se assim escolherem.
Martha Medeiros
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